Compras
Consegue-me tirar completamente do sério o simples acto de fazer compras. Nos hipermercados, onde hordas de pessoas invadem um espaço dispostas a conquistar tudo o que se mexer, sem tréguas e sem dó nem piedade, sou um pequeno monge, supostamente neutro, que tem que se deslocar, aos arrepelões, por entre essas hordas de gente que procuram consumir. É claro que hoje em dia ninguém se livra de ser consumista, nem quero ser mais papista que o Papa mas, vamos lá a ver as coisas como elas são, duas noites passadas ao relento para serem “presenteadosâ€� com um vale desconto de 100 € num superfÃcie comercial que vende pincha velhos não será um bocadinho demais? Nunca consegui entender o porquê de tanta gente fazer, dos centros comerciais, o seu local de lazer. È cansativo andar à s voltas por esses centros comerciais a cheirar a sanitário fresco e a pipocas, não se compra nada, até porque é demasiado caro e nem foi esse o propósito da visita, mas sonha-se com o que se vê na televisão.
As compras nas lojas de roupa são, por excelência, as mais sangrentas para o meu espÃrito de paz. Quando escolhemos uma peça de roupa, de cor amarelo mostarda, e perguntamos à amável moça, geralmente muito engraçadinha, como fica, a resposta fica sempre num: “ olhe que até fica bem!â€� ou “ é o seu estilo, a sua caraâ€� adoro fazer isto, o que me faz pensar se não serei masoquista até certo ponto. Pode ser evitada a tragédia, ou melhor, pode-se evitar o mal menor ao amavelmente recusar a ajuda solÃcita da moçoila que nos atende mas, quando chega a vez de ir provar a peça de roupa, quando voltas da cabine e te olhas ao espelho e vês que parece que vestiste uma serapilheira, volta de novo o : “ olhe que até fica bem!â€� ou “ é o seu estilo, a sua caraâ€�.
Na vida comum, o que me chateia até não é o simples acto de fazer compras, ou melhor, a minha relação com essa actividade tão necessária, note-se, quando realmente é necessária, mas sim todo o ambiente compulsivo-consumista da sociedade em que vivemos e em especial aqui em Portugal. No outro dia não pude deixar de evitar ouvir uma conversa entre dois casais em que um dos moçoilos dissera que iria acabar o contrato com a empresa porque esta iria fechar, e assim sendo, a situação iria ser difÃcil e todos os pormenores adjacentes a uma conversa cujo que o tema é o desemprego. Até aqui tudo bem, nada de invulgar na conversa, o pior veio depois, ou seja, quando o moçoilo que disse que iria perder o emprego se vira para o outro moçoilo e diz que tinha acabado de adquirir uma máquina foto gráfica digital de 400 e tal euros. Isto será normal?
No ano transacto as vendas de artigos de desejo ou luxo aumentaram cerca de 8,3% em relação ao ano anterior. O abandono escolar aumentou também por força do crescente aumento no nÃvel de desemprego. Portugal é o paÃs, dentro da Comunidade Europeia, com o maior número de telemóveis per capita. No entanto, não há 40 € para ir ao teatro, nem adquirir livros, nem viajar. São opções que se tomam na vida mas que na esmagadora maioria dos casos, em Portugal, é inconsciente, self-imposed, compulsiva, latente e acima de tudo, indiciadora de um défice enorme de cultura de um povo que votou tantas vezes em vários apaixonados pela educação.
As novelas mostram um engenheiro com uma criada interna e os três filhotes alegres entre o colégio, as aulas de equitação e as viagens, de estudo ao estrangeiro. A dona Alzira, algures no seu imaginário, pensa que realmente até pode ser assim e espera o próximo episódio, nos entretantos, vai ao hipermercado e vê aquilo que quer e que não quer, como qualquer manÃaco-depressivo faria, adquire, procura, sonha, dá escape à ansiedade e nada mais.
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