Este espaço é aquilo que eu sempre pretendi que fosse apesar de, algumas vezes, esse objectivo ter sido alcançado outras vezes não. Todavia este é o espaço que eu mantenho aberto a qualquer pessoa apesar de, qualquer pessoa, vislumbrar um pouco de mim sem me ver ou vislumbrar-me sequer num corropio que um Teatro de sombras poderá provocar na minha ideia transloucada da vida. É um espaço também que eu frequento e como tal gosto de ter de vez em quando uma boa bagaceira ou um whiskey de reserva para os meus ilustres convidados. Apreciem esta magnÃfica reserva que vos deixo aqui e não deixem migalhas, devorem todas as estrofes deste poema de Herberto Hélder.
Há cidades cor de pérola onde as mulheres
Há cidades cor de pérola onde as mulheres
existem velozmente. Onde
às vezes param, e são morosas
por dentro. Há cidades absolutas,
trabalhadas interiormente pelo pensamento
das mulheres.
Lugares lÃmpidos e depois nocturnos,
vistos ao alto como um fogo antigo,
ou como um fogo juvenil.
Vistos fixamente abaixados nas águas
celestes.
Há lugares de um esplendor virgem,
com mulheres puras cujas mãos
estremecem. Mulheres que imaginam
num supremo silêncio, elevando-se
sobre as pancadas da minha arte interior.
Há cidades esquecidas pelas semanas fora.
Emoções onde vivo sem orelhas
nem dedos. Onde consumo
uma amizade bárbara. Um amor
levitante. Zona
que se refere aos meus dons desconhecidos.
Há fervorosas e leves cidades sob os arcos
pensadores. Para que algumas mulheres
sejam cândidas. Para que alguém
bata em mim no alto da noite e me diga
o terror de semanas desaparecidas.
Eu durmo no ar dessas cidades femininas
cujos espinhos e sangues me inspiramo fundo da vida.
Nelas queimo o mês que me pertence.
o minha loucura, escada
sobre escada.
MuIheres que eu amo com um des-espero .
fulminante, a quem beijo os péssupostos entre pensamento e movimento.
Cujo nome belo e sufocante digo com terror,
com alegria. Em que toco levemente
Imente a boca brutal.
Há mulheres que colocam cidades doces
e formidáveis no espaço, dentro
de ténues pérolas.
Que racham a luz de alto a baixo
e criam uma insondável ilusão.
Dentro de minha idade, desde
a treva, de crime em crime - espero
a felicidade de loucas delicadas
mulheres.
Uma cidade voltada para dentro
do génio, aberta como uma boca
em cima do som.
Com estrelas secas.
Parada.
Subo as mulheres aos degraus.
Seus pedregulhos perante Deus.
É a vida futura tocando o sangue
de um amargo delÃrio.
Olho de cima a beleza genial
de sua cabeça
ardente: - E as altas cidades desenvolvem-se
no meu pensamento quente.
Herberto Hélder - 1979
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